Fundação Renova e mineradoras são condenadas a pagar R$ 56 milhões por propaganda ilegal após rompimento de barragem
06/08/2024
Condenação resulta de ação proposta por ministérios públicos e defensorias contra a veiculação de campanha publicitária de autopromoção depois da tragédia de Mariana. Distrito de Bento Rodrigues, em Mariana (MG), foi destruído com rompimento da barragem de Fundão
Raquel Freitas/g1
Fundação Renova, Vale, Samarco e BHP Billiton foram condenadas a pagar R$ 56 milhões de indenização por promoverem propaganda ilegal após o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, na Região Central de MG. A tragédia, em 2015, deixou 19 pessoas mortas, destruiu comunidades e causou vários danos ambientais.
A condenação é resultado de uma ação civil proposta por ministérios públicos e defensorias contra a autopromoção da Renova, mantida pelas mineradoras. Segundo os órgãos, a instituição divulgou, propositalmente, "informações imprecisas, dúbias, incompletas ou equivocadas" para minimizar o impacto do desastre (entenda mais abaixo).
Conforme o processo, no período de 2018 a 2021, a fundação empregou R$ 28,1 milhões em publicidade, sendo que, em pouco mais de um mês, chegou a gastar R$ 17,4 milhões em um único contrato. Ao todo, foram 861 inserções em TVs e 756 em emissoras de rádio, sem incluir o material divulgado em veículos impressos e portais de notícias.
Para o juízo da 4ª Vara Federal Cível e Agrária de Belo Horizonte, ficou evidente o desvio de finalidade na "criação de uma narrativa fantasiosa a favor da própria fundação".
"A situação, além de demonstrar o desrespeito da Renova ao seu próprio estatuto, demonstra claramente uma falta de respeito em relação às vítimas e à sociedade brasileira. [...] Esta tentativa de controle da narrativa para criar uma campanha orquestrada de desinformação não é apenas imoral, como ilegal", diz trecho da sentença.
Com a decisão, as empresas devem realizar a contrapropaganda do material publicitário veiculado há alguns anos em diversos meios de comunicação, corrigindo as inverdades, distorções e omissões. Além disso, a Renova deverá pagar uma indenização por danos materiais e morais coletivos de R$ 56.302.564,60.
"Além de não reconhecerem a responsabilidade pelo desastre, as ações de publicidade da Renova minimizam o próprio impacto da tragédia, na contramão do entendimento da Corte Interamericana de Direitos Humanos, já que a Corte entende que atos de reconhecimento de responsabilidade são uma das medidas de reparação”, conclui o documento.
O g1 procurou a Renova e as mineradoras para um posicionamento, mas não recebeu retorno até a última atualização desta reportagem.
Desvio de finalidade e má-fé
As propagandas contestadas pelas instituições de Justiça falavam sobre toxicidade dos resíduos, qualidade da água, pagamento de indenizações, obras de infraestrutura e reassentamento, municípios abrangidos e repasses efetuados, recuperação econômica, estudos de saúde, povos tradicionais, patrimônio histórico, cultural e afetivo, projetos sociais e de proteção social.
Em todas elas, à exceção da propaganda sobre a qualidade da água, o juízo reconheceu a procedência das alegações quanto ao conteúdo direcionado para minimizar, omitir e até contradizer a realidade.
De acordo com os órgãos, ao tratar da toxicidade dos resíduos e dos estudos de saúde, por exemplo, as peças publicitárias ignoraram propositadamente estudos contratados pelo MPF que apontaram a contaminação por metais em tecido muscular de peixes na área atingida pelo rompimento, assim como a existência de substâncias químicas que poderiam causar danos aos humanos.
A Justiça Federal também considerou que a entidade, ao rebater as alegações dos ministérios públicos e defensorias, agiu de má-fé, "sem qualquer pudor ou autocrítica, ao defender teses em juízo baseadas em informações falsas".
A tragédia
Rompimento da barragem de Fundão destruiu casas em Mariana e Barra Longa
Lucas Leão/TV Globo
O rompimento da barragem de Fundão ocorreu em 5 de novembro de 2015 e causou o maior desastre ambiental da história do país.
Cerca de 40 milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração destruíram comunidades e modos de sobrevivência, contaminaram o Rio Doce e afluentes e chegaram ao Oceano Atlântico, no Espírito Santo. Ao todo, 49 municípios foram atingidos, direta ou indiretamente, e 19 pessoas morreram.
A Fundação Renova foi criada em 2016 para reparar danos socioambientais causados pela tragédia, sendo resultado de um Termo de Transação e de Ajustamento de Conduta (TTAC). O documento foi assinado pela Samarco, empresa da Vale e BHP Billiton, e por autoridades e representantes de governos estaduais, federal e autarquias.
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